sábado, 23 de agosto de 2008

Profissão: roteirista de HQs

Mais uma vez aqui, falando do ponto de vista das HQs produzidas "em massa".
Minha intenção aqui não é ser nenhuma dona da verdade. Apenas compartilho minha experiência e opiniões.

Entrei nesse meio pela porta dos fundos. Mas não acho que seja difícil de se entrar pela porta da frente. Basta ter algumas noções importantes.
A alguns anos atrás, eu apenas pintava HQs. Um belo dia, por algum motivo, veio parar na minha mesa um roteiro de uma HQ do Menino Maluquinho (Ziraldo). Fiquei fascinada por aquilo... Eu nunca tinha parado pra pensar que por trás de uma HQ obviamente havia um roteiro.

O tal roteiro era de autoria de uma moça, e o desenho dela era lindo, apesar de muito simples. Afinal era apenas um roteiro.
Achei aquilo o máximo! Então tirei uma xerox e levei pra casa. Tinha vontade de fazer roteiros também, mas achava que nunca teria cabeça para isso. E deixei passar.
Um belo dia, fiquei sabendo que na redação onde eu trabalhava estavam precisando urgentemente de novos roteiristas. A essa altura, eu já estava fazendo a diagramação das revistas, e via, diariamente, vários roteiros, alguns excelentes, outros nem tanto.
Mas o que aconteceu naquela época foi que a venda das revistinhas tinha caído e os roteiros estavam muito fracos e chatos.
Resolvi me meter e abracei a causa.
Para mim seria muito fácil pois eu levava certa vantagem. Eu tinha contato direto com os editores que escolhiam os roteiros e conhecia todas as suas queixas frequentes. Sabia o que eles estavam procurando. Conhecia muito bem o perfil de todos os personagens. Conhecia a linguagem usada pelos autores. E podia desenhar!
Eu tinha a faca e o queijo na mão. Então coloquei a cabeça pra funcionar e bolei um roteirinho.
Depois desenhei, escaneei, montei um PDF bonitinho (Ninguém fazia isso! As páginas costumavam ser mandadas em vários arquivos jpeg separados, o que dificultava a vida de quem ia ler o roteiro).  
Meu primeiro roteiro foi aprovado! Depois dele, alguns foram reprovados, e alguns tiveram que ser modificados. Isso faz parte da coisa.
Há muito critério na escolha dos roteiros. Os editores questionam tudo! Não pode ter nenhum furo na história. Deve ter começo, meio e fim. De preferência no final de cada página deve haver algum mistério para incentivar o leitor a ler a página seguinte. Deve haver continuidade. No caso das HQs infantis, elas devem ser "politicamente corretas". Eles avaliam se aquilo que o personagem fez é certo, se é seguro...
Uma vez mandei um roteiro onde havia uma competição de pipas e um menino (o vilão) passava cerol no fio para cortar a pipa do mocinho. Nananina! "Cerol? Nem pensar!" - foi a observação que a editora-chefe escreveu quando me devolveu o roteiro.
Então tive que arranjar outro jeito do vilão fazer sua maldade, que não fosse o cerol.
Às vezes a gente faz um roteiro lindo e maravilhoso. Mas o editor pode achar uma porcaria!
E aí você fica com aquela cara de ponto de interrogação, e volta pra casa com o eguinho machucado. Oh, por quê? Por quê? Mas tem que ser profissional. Se tiver conserto, ótimo! Você muda o que for necessário. Se não tiver conserto... levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Sim, aquele domingo que você perdeu fechando aquele roteiro "genial" foi em vão! Paciência...

Às vezes a gente acha que passou a mensagem, mas não passou.
Me surpreendeu uma vez em que, após deixar aquele roteiro "perfeito" sobre a mesa da editora-chefe, a própria veio pessoalmente até a minha mesa e disse: "Então... sabe aquele roteiro que você me mandou hoje? Eu não entendi o final... Você poderia me explicar?"
Como assim nao entendeu o final? Tão óbvio, tão perfeito!
Indignada, resolvi mandar uma cópia do roteiro para a minha irmã (que também fazia roteiros), e para uma outra editora. Adivinhe! Ninguém entendeu o final da história!
Sim, o que parecia tão claro para mim não fazia sentido algum para as outras pessoas!
Por isso acho importante que, antes de ser entregue, o roteiro seja lido por pelo menos duas pessoas diferentes, além de você.
Caso haja qualquer coisinha te incomodando no roteiro, não hesite: refaça! Não o entregue enquanto tiver dúvidas. Não tem nada mais brochante do que ter um roteiro devolvido para refação.

Mas como começar, se eu nunca fiz um roteiro e nem sequer trabalho nesse meio?
Se nunca fez, então faça agora!
Em primeiro lugar, você deve ter uma noção de desenho. Na minha opinião, roteirista de HQ que manda roteiro escrito não é roteirista. Vou explicar por quê!
Nas grandes editoras, como já falei, as histórias são desenhadas em massa, por estúdios de ilustração ou ilustradores freelancer, dependendo da demanda. Esses caras têm que desenhar um monte de páginas por dia, e rola uma pressão absurda em cima deles. Não pense que a vida de um ilustrador de HQs é fácil e glamourosa. Então o que acaba acontecendo, é que os caras tem uma certa pressa em acabar o desenho. Isso significa que eles não vão ter tempo (nem saco) de ficar pensando em cenário, em dar um ângulo legal na cena, ou em deixar espaço para os textos.
Muitos roteiristas acham que isso é obrigação do ilustrador. Então mandam um roteiro tosco, escrito mais ou menos assim:

quadrinho 1: fulano está não sei aonde, e fala não sei o quê pra não sei quem...
quadrinho 2: fulano faz não sei o quê...

...e assim por diante. O que acontece, é que, na forma escrita isso pode parecer ter sentido. Mas na hora que é passado para o desenho, muita coisa se perde, e a história (que até poderia ser boa), fica pobre, parada e chata! Porque de fato, só escrevendo não dá pra ter uma boa noção de como vai ficar a história.
Por isso, se o roteirista pretende que a HQ fique perfeita quando pronta, ele deve desenhar todo o roteiro detalhadamente. Deve se preocupar com o espaço dos balões, corte da cena, dinâmica dos quadrinhos, expressões dos personagens, etc. Já vi roteiros excelentes perderem totalmente a graça quando desenhados. Felizmente, por estar lá dentro, eu tive a oportunidade de acompanhar de perto todas as minhas historinhas em todas as etapas, desde a aprovação do roteiro até a arte-final.
E já vi coisas absurdas acontecerem. Uma simples expressão errada no personagem pode mudar o sentido da história! A minha sorte é que, ao contrário dos roteiristas externos, eu tinha autonomia até para retocar as artes já digitalizadas caso achasse que o desenho não estava de acordo com o que eu pedi.
Então, aqui vão as minhas dicas para quem quer escrever roteiros para personagens já existentes:

Leia todos os gibis que existirem sobre esse personagem. Conheça-o profundamente. Perceba que as HQs sempre cumprem um certo padrão. Decifre esse padrão. Perceba as falas, as expressões usadas, as onomatopéias. O que pode e o que não pode acontecer nessa HQ?
As histórias são mais voltadas para a realidade ou são mais fantasiosas? Pode existir violência?
Você tem que sacar tudo isso, caso contrário corre o risco de mandar um roteiro completamente nonsense, e que pode (sim, pode!) virar a chacotinha do pessoal da redação.

Tenha noção de desenho. Veja bem, você não precisa saber desenhar perfeitamente os personagens. Isso é função do ilustrador. Você tem que se fazer entender. Dá pra diferenciar o personagem principal da arvorezinha? Já é um bom começo. A pessoa que vai ler (e, talvez aprovar) o seu roteiro, tem que poder identificar facilmente os personagens. Quanto mais expressivos, melhor. Um cenário também dentro do contexto ajuda bastante.
Se você souber desenhar, pode até dar o seu estilo aos personagens, sem problemas.
Não precisa ser um desenho complexo. Tem gente que consegue se expressar maravilhosamente apenas com uns poucos traços. Se estiver muito difícil esboçar o que tem em mente, escreva quantas observações forem necessárias para se fazer entender.
Depois que desenhar à lápis, passe uma canetinha preta por cima, definindo os traços, e apague o lápis. Faça um trabalho limpo!
Roteiro é igual a trabalho de escola: a aparência não é tudo, mas conta pontos!

Procure saber como são selecionados os roteiros. Leia o expediente da revista. Pesquise na internet. Consiga um telefone ou um e-mail da redação ou do estúdio. Descubra como e para quem você deve mandar o seu roteiro para avaliação. Se conseguir descobrir mais alguma coisa além disso, ponto pra você!

Escolha um personagem com o qual você se indentifique. Elabore o roteiro com carinho. Procure mandar um roteiro curto, com umas 3 páginas no máximo. Lembre-se, ele deve ter começo, meio e fim. Fuja dos clichês. Evite temas polêmicos, não vale a pena correr o risco. Jamais mande uma história parecida com alguma que você já leu.
Escreva em português correto. Pontue, acentue. Isso não é fator essencial, mas também conta pontos a seu favor.

Mostre que você é profissional.
* Não seja chato.
* Não fique ligando toda semana querendo saber se já leram o seu roteiro.
* Nunca diga - "Gostaria muito, me dê uma chance, por favor..." - Assumir uma postura de coitadinho do mundo só vai ajudar a fechar todas as portas para você. Afinal de contas você está tentando vender o seu trabalho (que tem muito valor, certo?) e não pedindo uma esmola.
* Não mande JAMAIS, em hipótese alguma e-mails em miguxês ou internetês se pretende ser levado a sério. E nem utilize linguagem muito informal se você não tem intimidade com os editores. Algumas pessoas acham que exercer uma atividade essencialmente criativa, significa poder se expressar da maneira que quiser, a qualquer hora, em qualquer lugar. A não ser que você seja realmente um gênio da humanidade, a coisa não funciona bem assim. Deixe isso para quando você for um artista consagrado. Bom senso nunca é demais.

Não desista caso não tenha o retorno esperado. Pode haver vários motivos pelos quais o seu roteiro não foi aprovado. Eles simplesmente podem não estar precisando de roteiristas no momento. Nem sempre você vai ter o feedback que gostaria. Não desista por isso. Aguarde algum tempo, faça outro roteiro e tente novamente. Água mole em pedra dura...

Bem, espero que as dicas tenham sido úteis!
Quer ver um modelo de roteiro?

Hasta la vista. :)

11 comentários:

  1. Muito massa suas dicas.
    Um dia quero trabalhar com HQs.
    Preciso tomar vergonha na cara e começar de uma vez por todas.

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  2. Juniupaulo,
    Muito obrigada!
    A hora de começar uma coisa é agora. Tudo o que você faz com paixão dá certo. Se você tem vontade de fazer hqs, faça. Com certeza não irá se arrepender, é um trabalho muito gratificante! Boa sorte!

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  3. Olá sou roteirista inexperiente e gostaria de saber, se poderia me indicar um lugar onde possa publicar minhas histórias.
    PS: não entendo nada de desenho.

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  4. meu e-mail é godoi_lupicinio@HOTMAIL.COM

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  5. Guilherme
    Realmente não é fácil para quem está começando. Sinceramente o caminho que eu conheço é este que eu segui... escrevendo para autores já conhecidos.

    Agora, se você mesmo cria seus personagens e histórias o caminho é bem mais longo. Seria legal se você trabalhasse em parceria com um ilustrador. Te aconselho a ter um projeto já pronto antes de apresentar a algum editor.
    Boa sorte!

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  6. adorei as dicas, foram bastante esclarecedoras.
    eu desenho razoaelmente bem, mas não tão bem o suficiente para lançar um mangá ou HQ. tenho muitas histórinhas aqui, que fiz com uma imaginação que nem sei de onde veio, são incríveis.
    vou tentar a sorte e enviar para alguma editora, aposto que vão bombar. hehe

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  7. Arce Balla
    É isso aí... O negócio é acreditar no seu trabalho, ousar um pouquinho e mandar "balla", hehehe...

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  8. Adorei tuas dicas! Estou batalhando para entrar no universo dos quadrinhos como redatora. Obrigada pelos toques!

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  9. Valeu, Caroline, boa sorte pra você!

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  10. Ola eu tenho muita vontade de escrever um roteiro sobre historias de ficçao, mas sou um pessimo desenhista, eu tenho como ser um bom roteirista?

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    1. Eron, você não precisa necessariamente desenhar bem, mas é importante que consiga pensar além do texto e imaginar/descrever exatamente como deve ser a cena. Faça o melhor esboço possível, acrescente observações caso seu desenho não se faça entender. Tudo deve fazer sentido e estar linkado. Dê para outras pessoas lerem, veja o que elas acham. Boa sorte!

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